POEMAS SOBRE POEMAS

 

A IDÉIA

(AUGUSTO DOS ANJOS)

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cal de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica…

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!

**

O MARTÍRIO DO ARTISTA
(AUGUSTO DOS ANJOS)

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
E como o paralítico que, á mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem á boca uma palavra!

**

AUTOPSICOGRAFIA
(FERNANDO PESSOA ele mesmo)

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração

**

POÉTICA
(MANUEL BANDEIRA)
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto
[expediente protocolo e manifestaaçoes
[ de apreço Sr.diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
[dicionário o cunho do vernáculo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que captula ao que quer que seja fora de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exem-
[plar com cem modelos de cartas e as diferentes
[maneiras de agradar ás mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespere

–Não quero mais saber do lirismo que não é libertação

**

  • POESIA(Carlos Drummond de Andrade)

    Gastei uma hora pensando um verso
    que a pena não quer escrever.
    No entanto ele está cá dentro
    inquieto, vivo.
    Ele está cá dentro
    e não quer sair.
    Mas a poesia deste momento
    inunda minha vida inteira

  • ***
  • POEMA QUE ACONTECEU(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

    Nenhum desejo neste domingo
    nenhum problema nesta vida
    o mundo parou de repente
    os homens ficaram calados
    domingo sem fim nem começo.

    A mão que escreve este poema
    não sabe o que está escrevendo
    mas é possível que se soubesse
    nem ligasse.